quarta-feira, 9 de maio de 2018

Desventuras em série




Eu já falei para vocês sobre os livros “desventuras em série” a um tempo atrás. Na época apenas se falava que a Netflix ia produzir uma série baseada nos livros e tinha só um trailer que eu nem sabia se era verdadeiro ou um trabalho feito por fãs.

Algum tempo se passou e finalmente a série foi produzida, já tendo a primeira e segunda temporada. Esses livros não são assim os meus preferidos, mas como tinha gostado bastante, resolvi assistir a série.

Para quem não leu os livros e nem assistiu a série, vou logo avisando que vai ter spoiler.

Bem... para começar confesso que fiquei com sentimentos conflitantes. Gostei e não gostei, achei legal e não achei. Confuso, não?

A série, em geral, consegue ser fiel aos livros. Não totalmente, mas um pouco acima da média. A primeira temporada foi sobre os livros:

Mau começo

A sala dos répteis

O lago das sanguessugas

Serraria Baixo Astral

Até o terceiro livro eu diria que a série foi bem fiel, com poucas alterações aqui e ali. A principal delas foi quando a Tia Josefina resolveu ficar do lado dos órfãos mesmo sendo ameaçada pelo conde Olaf. No livro, ela diz que ele podia fazer o que quisesse com as crianças contanto que a deixasse em paz. Devem ter mudado essa parte como uma forma de suavizar, não sei. De qualquer forma, não achei que a mudança foi ruim.

Mas no quarto livro eu achei que mudaram muitas coisas, embora tenham conseguido manter o principal da história.

A primeira mudança foi o órfãos terem fugido no fim do ep. do lago das sanguessugas e ido sozinhos para a serraria sendo que na verdade foram levados pelo Sr. Poe e colocados para trabalhar pelo patrão em troca de serem protegidos do Conde Olaf.

Achei meio estranho esse comportamento porque durante os primeiros livros eles só dependiam dos adultos para decidir onde iam ou não ficar. Essa independência de decidir o próprio caminho só surgiu no livro 7.

Outra coisa que mudaram é que no livro Claus e Violet mudam os papéis por um tempo, com Violet tentando fazer pesquisa nos livros e Claus criando uma invenção para resolver um problema. Senti falta disso no episódio.

Também achei um tanto corta-clima eles mostrarem o rosto do “Senhor”, dono da serraria. É que nos livros o rosto dele era sempre coberto com fumaça do charuto. E ele pareceu um tanto simpático demais para um porco explorador. Não foi essa a imagem que tive dele no livro.

Por outro lado, gostei que na série tenham explicado o porque dos empregados aceitarem trabalhar em condições miseráveis em troca de cupons e chicletes. Fez bastante sentido e acrescentou algo bacana na história.

Pelo menos a canção que colocaram no fim da o episódio ficou boa e resumiu bem a vida dos órfãos: algo que nunca dava certo e a injustiça sempre vencia.

E gente, a “trolada” que eles deram ao longo da primeira temporada foi incrível. Por um instante, cheguei a ficar preocupada porque isso ia mudar até o final da série, mas depois a gente vê que as coisas não são o que parecem e no fim tudo permanece o mesmo para os órfãos. Mas o jeito que eles colocaram as coisas nos fez realmente acreditar que era verdade. 

A segunda temporada foi baseada nos livros:

Inferno no Colégio Interno

O Elevador Ersatz

A Cidade Sinistra dos Corvos

O Hospital Hostil

O Espetáculo Carnívoro

Nessa temporada eles mudaram bem mais coisas nos episódios. Tiraram o que tinha e colocaram o que não tinha, uma vez que a série resolveu acrescentar a organização CSC. Mas essa adição até que ficou boa porque explicou a origem de dois personagens: o falso conde Olaf do livro 7 e a Madame Lulu do livro 8. Eles foram mais desenvolvidos, participaram de episódios anteriores e interagiram com conde Olaf, tudo sem que as crianças soubessem. Até o garçom que os atendeu no restaurante Palhaço Ansioso do livro 3 (o lago das sanguessugas) também ganhou mais destaque ao longo da série.

Sei que não dá para fazer uma série 100% fiel aos livros. Durante a maior parte do tempo eu nem me importei, mas no fim do ep. da vila Vil (livro 7) teve uma mudança da qual não gostei. Pode parecer coisa boba e pequena, mas que nos livros foi bem significativa para mim.

É que eu considero esse final do livro 7 como um divisor de águas para as crianças, um salto no seu amadurecimento. Eles foram crescendo ao longo do tempo sim, mas essa passagem em especial foi tipo uma tomada de consciência desse amadurecimento deles.

"Vamos estudá-las depois", disse Violet, juntando as folhas e amarrando-as em
um maço com a sua fita de cabelo. "Nesse meio-tempo, temos de sair daqui
antes que a turba volte."
"Mas para onde iremos?", perguntou Klaus.
"Burb", disse Sunny, o que queria dizer "Para qualquer lugar, desde que seja fora
desta cidade".
"Quem irá tomar conta de nós?", disse Klaus, o olhar perdido no horizonte.
"Ninguém", disse Violet. "Teremos de tomar conta de nós mesmos. Teremos de
ser auto-sustentáveis."
"Como a casa móvel auto-sustentável a ar quente", disse Klaus, "que pode viajar
e sobreviver sozinha."
"Como eu", disse Sunny e, de repente, pôs-se em pé. Violet e Klaus soltaram um
gritinho abafado de surpresa quando a sua irmã bebê deu os seus primeiros
passos cambaleantes, e depois foram andar bem perto ao lado dela, prontos para
segurá-la se caísse.
Mas ela não caiu. (...)

(...) Aos Baudelaire, parecia que todas as criaturas do mundo estavam sendo cuidadas por outras

— todas as criaturas, menos eles mesmos.

Mas as crianças, naturalmente, iriam cuidar umas das outras, como já vinham
fazendo desde aquele dia terrível na praia. (...)

Essa passagem foi importante porque eles entenderam que só podiam contar com eles mesmos, pois aqueles que deveria cuidar foram é negligentes, abusivos ou capazes de abandoná-los quando mais precisaram. E também porque foi quando Sunny aprendeu a andar e pronunciou as primeiras palavras compreensíveis.

Já na série, a Sunny apareceu andando (sendo que no livro só engatinhava) e onde foi mesmo que ela aprendeu a dirigir um caminhão de bombeiros? Um tanto forçado essa parte.E em várias cenas, eles usaram CGI e isso deixou um pouco a desejar. Em outras, deu para ver claramente que era uma boneca nos braços da Violet.

Os outros personagens ficaram bons. A Carmelita Spats da série conseguiu me convencer e a expressão do rosto dela chegava a ser assustadora, tipo uma criança que tenta parecer doce e adorável, mas que na verdade é uma criaturinha psicopata e monstruosa. 


A Esmé eu achei ok. Não vi nada de excepcional, mas também não ficou ruim. A trupe do Olaf ficou muito boa e cômica. O cara de “gênero indefinido” fala na série e o resultado ficou bom porque ele parece ser mais profundo e elaborado que os outros comparsas apesar do seu jeito meio tímido e bobão. As duas mulheres têm uma atuação bem engraçada e elas até fizeram uma cena que faz referência ao filme Iluminado. Vocês já devem imaginar qual é. 

Já o Sr. Poe... vou ser sincera: tenho mais raiva dele do que do Olaf. Quer dizer, Olaf é vilão mesmo, ele faz o que um vilão faz e pronto. Não espero coisas boas dele. Já o Sr. Poe tinha o dever de cuidar das crianças e o exerceu muito mal. Ele é negligente, não escuta, age de forma egoísta, ignora/justifica os abusos que as crianças sofrem e quando as coisas ficaram sérias, ele tirou o corpo fora e as deixou sozinhas.

Mas admito que o personagem foi bem feito e interpretado na série, pois tem a aparência de um homem tranqüilo, bem humorado e que não percebe o que se passa ao seu redor. Legal também foi terem colocado a esposa dele no papel daquela repórter do Pundonor Diário que sempre aparece nos livros.

E é claro que não podemos deixar de falar do conde Olaf, certo? No filme, o vilão foi interpretado por Jim Carrey e apesar de ter ficado muito bom, ele saiu mais cômico do que deveria. O Olaf da série... bem... é difícil descrevê-lo. Ele tem sim sua comicidade, mas também é assustador, frio e até violento.

Achei que ele conseguiu encarnar mais o vilão dos livros que o Jim Carrey apesar de que em alguns momentos ele se tornou irritante ou tedioso. Seu jeito de falar é o de um ator canastrão e às vezes fica meio chato. Mas houve momentos em que ele conseguiu ser bem assustador na série. Em um dos episódios, ele pergunta para Violet se ela já caçou e fala sobre o momento em que a presa é encurralada e olha nos olhos do predador buscando compaixão. Como não encontra, acaba desistindo e se entregando totalmente a ele. Foi um momento bem tenso e assustador, digno do vilão que ele é nos livros.  

Seus disfarces na série ficaram muito bons, especialmente o de secretária no ep. da serraria baixo astral. Talvez bons demais. Quer dizer, nos livros eu tive a impressão de que eram mal feitos e que os adultos não percebiam por burrice mesmo. Já na série os disfarces ficaram um tanto convincentes, o que tirou aquele clima de "adultos idiotas" que os livros passam para o leitor. E não sei se gostei do Olaf que canta e dança. Tá, ele é um ator, etc. mas isso tirou um pouco aquela aura sinistra dele.

Nos livros, a maior característica do Olaf são seus olhos muito brilhantes e achei que isso não foi explorado na série. Apesar de ser um bom vilão, seus olhos não são tão expressivos quanto poderiam ser. Mas no geral, ele se saiu bem e consegui se tornar alguém que deveria ser temido.

Os irmãos Baudelaire foram bem interpretados e até vemos neles um pouco mais de profundidade que nos livros. Eles realmente sofrem, tem medo e às vezes até ficam inconformados com sua condição. Sunny é um bebê fofo e a personagem dela foi bem interpretada, o que é difícil porque a atriz ainda é bem novinha. Só preferia a Violet com os cabelos mais pretos e um pouco mais curtos, como nos livros. E Klaus acabou parecendo ser mais velho que ela sendo que no livro ele é dois anos mais novo.

Já as roupas, eu achei um tanto coloridas demais. Preferia algo mais gótico/vitoriano que nem no filme. Combinaria mais com o clima sombrio da série. Mas a fotografia e os cenários estão ok.

Foi essa a impressão que eu tive da série. Assistir foi uma experiência meio estranha porque em alguns momentos eu meio que assistia só por obrigação porque não estava curtindo muito e muitas vezes ia acelerando o vídeo pulando algumas partes chatas e tediosas. Mas em outros queria realmente assistir e confesso que fiquei até com um pouco de ressaca com o fim da segunda temporada e ansiosa pela terceira. Acho que é aí que as coisas vão ficar legais.

A próxima temporada será sobre os livros

O Escorregador de Gelo

A Gruta Gorgônea

O Penúltimo Perigo

O fim

E quero muito ver qual vai ser a interpretação deles sobre esses quatro livros. Já que a proposta da série é ser fiel aos livros, então não espero grandes mudanças no final.

Normalmente eu aconselharia a começarem pela série e só depois ler os livros, mas como a série consegue ser mais fiel do que a média, então podem começar pelos livros se quiserem.

Só entendam que a série e os livros têm um tipo de humor e narrativa que pode não agradar a todos. Foi feito para crianças e adultos, tem um pouco de humor cínico e tem um pesinho no lado mais dark e pesado também. O clima da série não é assim tão sombrio quanto o dos livros, mas convence bem. Vale a pena assistir. 

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