Antes que começar a
ler esse artigo, eu recomendo a leitura da primeira parte ou vocês vão boiar
legal.
No artigo anterior
eu defini o estado laico. O oposto disso é o estado teocrático, onde uma
religião dominante define e interfere nas leis. Por exemplo: se a religião
dominante proíbe alguma coisa, então isso é lei e todos devem seguir.
“Ah, mas e se eu
for de uma religião diferente?”
Não interessa. Vai
seguir do mesmo jeito porque é lei e você não tem que querer nada. Aliás, em um
estado teocrático a liberdade de credo não existe ou é super controlada. Agora,
num estado laico só segue a lei religiosa quem pertence a essa religião. Quem
não pertence (ou mesmo quem pertence, mas não concorda), tem a opção de não
seguir.
Pegaram o espírito
da coisa? Num estado laico, nenhuma religião, crença ou filosofia é favorecida
nem discriminada. Isso quer dizer que todos têm o mesmo direito e um não pode
se sobrepor ao outro. A liberdade de um termina onde começa a liberdade do
outro.
Tá. Mas o que isso
tem a ver com os homossexuais? Pois bem. Como disse antes, um dos maiores
argumentos contra é de que a religião proíbe. E por causa desse argumento, as
pessoas acham que os homossexuais não devem ter os mesmos direitos que os heteros.
Não podem ser mostrados na mídia, trocar afeto em público, casar, adotar
filhos, etc.
Por causa de
convicções religiosas, essas pessoas se acham no direito de impor suas crenças
ao resto da sociedade e interferir na vida das outras. Sim, porque a partir do
momento em que você diz que um grupo de pessoas não pode ter os mesmos direitos
que os demais cidadãos, você está sim interferindo na vida delas.
Então, quando
alguns leitores falaram que não deveriam ter mostrado o beijo entre Fábio e
Edgar, eles disseram, ainda que indiretamente, que os homossexuais não têm o
mesmo direito a visibilidade que os heteros têm. Afinal, vários casais heteros
já se beijaram na Lulu Teen e ninguém falou nada. Mas um casal homo se beijou e
muitos acharam ruim.
Mas ora, nossa constituição garante igualdade para todos e a
laicidade do estado diz que uma religião não tem o direito de interferir na
esfera pública ou de impor suas crenças ao restante da população.
Logo, se sua religião proíbe a homossexualidade, é direito
seu acreditar que é errado. Mas você não tem o direito de impor essa crença aos
outros, de interferir nas leis, na esfera pública ou de achar que as outras
pessoas devem ter seus direitos violados só por causa das suas crenças.
Certa vez eu ouvi a seguinte frase: fé é que nem saliva. É
bom ter, mas cada um que guarde para si. Ou então só compartilhe com quem
estiver interessado.
Ninguém está querendo mudar os dogmas das religiões e nem
seus livros sagrados. Porém, essas religiões também não têm o direito de
interferir na vida das pessoas que não compartilham da mesma opinião.
Logo, eu não achei errado eles terem mostrado um beijo gay
porque a editora da Lulu Teen tem pleno direito de publicar o conteúdo que
quiser contanto que não inflija às leis e respeite a faixa etária da revista.
“Ah, mas isso me ofende, ofende minha religião, não
concordo, não quero ver!”
Se for olhar aquilo que ofende as religiões, então nada
poderia ser feito ou publicado, porque cada grupo religioso tem suas regras e
se for para atender a um, tem que atender a todos. Isso sem falar dos ateus ou
das pessoas que não tem religião nenhuma. E aí? Como faz? Será que sua religião
é melhor do que as outras e portanto deve se sobrepor aos direitos de toda a
população?
Por exemplo, tem religião que não permite a transfusão de sangue.
Suponham que mostrem na Lulu Teen, ou TMJ, um personagem fazendo uma transfusão
e esse grupo religioso fique ofendido, diga que não podem mostrar isso nas
revistas, é ofensivo para eles, etc. Vocês iam aceitar isso?
Claro que para vocês seria um grande absurdo, porque sabemos
que transfusão de sangue salva muitas vidas, mas para esse grupo religioso é
uma questão importante, um tabu para eles da mesma forma que a homossexualidade
pode ser para muitos de vocês.
Agora, já pensaram se esse grupo resolvesse interferir nas
leis impedindo que as pessoas doassem e recebessem sangue ou que fizessem campanhas na mídia
incentivando as doações? Ah, pois é!
Felizmente eles não podem fazer isso porque vivemos num estado
laico. Se o fiel dessa religião não quiser receber sangue, problema dele, mas
não pode de jeito nenhum impedir que outra pessoa receba. E de jeito nenhum
vocês concordariam se esse grupo tentasse impedir os outros de receberem uma
transfusão.
Usei esse pequeno exemplo para mostrar que a religião não
deve interferir na vida as outras pessoas que não compartilham das suas
crenças. Então, se você é contra porque sua religião proíbe, tudo bem. O estado
laico te dá o direito de ter suas crenças. Mas isso é sua vida particular, suas
escolhas. O mundo ao seu redor não tem que se ajustar a isso.
“Ah, mas quando é a maioria, eles têm direito de interferir
sim!”
Não, não tem. O estado laico não é para a maioria. É para
todos. Se fosse para a maioria, se chamaria estado teocrático ou ditadura
mesmo.
“Ah, mas por que estão dando preferência aos homossexuais?”
Não se trata de dar preferência e sim de garantir que todos
tenham seus direitos assegurados. Se duas pessoas do mesmo sexo se relacionarem,
isso não vai ter nenhum impacto na SUA vida. Mas proibi-las de ficarem juntas
só por causa da religião vai ter impacto na vida delas porque irá
desrespeitá-las em seus direitos.
Bem, não vou me alongar demais porque já dei muita coisa
para vocês pensarem. Como foi falado no início, esse texto não foi para
fazê-los mudar de opinião ou achar a homossexualidade correta. Foi para que
refletissem um pouco e entendessem que apesar de todos terem liberdade de
crença e pensamento, essa liberdade termina onde começa a do outro. De jeito
nenhum uma pessoa pode impedir que a outra viva a vida dela e tenha suas
crenças só porque ela não concorda com seu jeito de ser e viver.
Se a pessoa não está infligindo nenhuma lei, machucando,
ferindo, ofendendo ou prejudicando os outros, então ela é livre para viver a
vida dela.