domingo, 12 de janeiro de 2014

Capítulo 8 - Cinderela às Avessas: A Cinderela se torna gata borralheira

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A Cinderela se torna gata borralheira

Uma hora mais tarde, um carro da agencia deixou Carmem em frente a mansão dos Aguiar. Como foi que aquela mulher lhe convenceu mesmo? Sua cabeça estava meio confusa. Talvez um momento de lucidez a tivesse feito aceitar a proposta, pois sabia que além de salário, ia ter comida e um lugar para morar.

Pelo menos a fachada era bonita e ela adorava mansões. Talvez não fosse tão ruim.  Após tocar o interfone e anunciar que era da agência, o portão foi aberto para que ela entrasse.

O lugar era imenso e ela teve que andar um bocado até chegar a entrada. Ali perto havia um carro bem familiar. Uma BMW de último modelo. Abaixo dela, tinha alguém deitado junto com uma caixa de ferramentas.

- Er... oi... dá licença. – um barulho se fez ouvir debaixo do carro e o sujeito teve um sobressalto.
- Ai! Minha cabeça! – ele se arrastou para fora e Carmem arregalou os olhos.
- Oh! Você é o primo da Cascuda! Rafael, né?
- Epa, você conhece minha prima? Engraçado, achei que conhecesse todas as amigas dela! Como me reconheceu?
- Hã... ela sempre fala de você...
- Essa minha prima! É muito bajuladora mesmo! – ele falou meio derretido. Como ambos eram filhos únicos, um via o outro como um irmão que nunca pode ter.

Ao ver que o rapaz não lhe reconhecia, Carmem começou a ficar preocupada. Será que seu pai subornou a cidade inteira ou seria mesmo verdade toda aquela história de estrela mágica?

Como aquela moça era amiga de sua prima, Rafael acabou sendo simpático com ela, embora estivesse intrigado por alguém tão jovem estar trabalhando ali.

Sem que eles vissem, alguém os observava de longe apertando os lábios com raiva. Aquela garotinha mal chegou e estava dando de cima dele? Quanta cara de pau!

- Olha, eu sou a nova empregada e a agência me mandou.
- Sei. – Ele deu uma boa olhada e duvidou seriamente que aquela garota seria capaz de dar conta do serviço - Pode entrar que a patroa deve estar te esperando.
- Tá bom. – Carmem tomou a direção da entrada principal e Rafael a chamou de volta.
- Espera, a entrada de serviços é do outro lado!

Seu corpo gelou por um segundo. Entrada de serviço? Ah, claro. Ela era uma serviçal agora. Não podia mais entrar pela frente.

Foi preciso dar a volta pela mansão até encontrar a entrada dos fundos que dava para a cozinha. A porta estava aberta e Carmem viu que tinha uma mulher limpando a cozinha com um esfregão. Era bonita, pele morena, cabelos trançados bem pretos e usava um uniforme igual ao seu. Ela estava com cara de poucos amigos e esfregava o chão como se tivesse descontando suas frustrações nele.

- Oi... posso entrar? Me mandaram da agencia.

A outra parou o que estava fazendo e olhou-a cima a baixo. Aquela devia ser a empregada branquinha que a patroa tinha contratado porque não achou que ela fosse bonita o suficiente para atender as visitas. Ou melhor, não tinha o tom de pele correto e por isso devia ficar escondida dos outros. E para piorar, aquela sirigaita estava dando de cima do Rafael! Aquilo não ia ficar barato de jeito nenhum! Ela falou mostrando hostilidade.

– Deixa eu adivinhar: você é a nova empregadinha?
- Sou sim, a agência me mandou e...
- Tá, tá. Vou te levar para conhecer a madame. Vai gostar muito dela (só que não).

Carmem a seguiu com a ligeira impressão de que aquela mulher não tinha ido com a sua cara.

- Meu nome é Carmem.
- Não te perguntei.
- E... e o seu?
- Cassandra e nem pense em mexer nas minhas coisas! Cada uma cuida de si!
- ...

As duas foram até uma grande sala decorada com luxo um tanto exagerado. Muitos enfeites, obras de arte, tapetes que Carmem sabia serem caros e um grande sofá branquíssimo no meio da sala, onde estava sentada uma mulher que lia uma revista distraidamente. Seu nome era Rebeca Aguiar, ela tinha trinta anos, embora aparentasse menos por causa da maquiagem e dos caríssimos tratamentos de beleza. A mulher também tinha o cabelo loiro platinado bem liso que ia até os ombros e estava partido de lado. Apesar de estar em casa, ela se vestia como se estivesse numa festa elegante.

Carmem a conhecia das colunas sociais. Ela e seu marido eram os novos ricos do momento. Seus pais até já tinham ido a algumas festas promovidas pelo casal.

- Senhora, a nova empregada que a agencia mandou. – a patroa deixou a revista de lado e levantou-se do sofá para analisar Carmem como se fosse um produto.
- A nova empregada, é? Hum... deixe-me ver. – ela fez um gesto com a mão, pedindo para que a moça desse uma volta. – Sim, sim. Nada mal. Bonitinha, bem branquinha, olhos azuis.

Ela não sabia se devia ficar feliz com aqueles elogios ou preocupada. O jeito que aquela mulher a olhava não era nada agradável.

- Mas esse cabelo aqui... – ela pegou uma mecha no topo da sua cabeça para analisar e Carmem sentiu um pouco de dor. Era impressão sua ou havia ressentimento naquele puxão? – É loiro mesmo!
- É sim senhora.
- Shhh! Não me interrompa. Bem, você é aceitável. Poderá servir as visitas e devo admitir que combina muito bem com a decoração.
- C-com a decoração?
- Eu ainda não terminei. Você foi aprovada, mas esse cabelinho aí... – a moça ficou preocupada com o tom de voz usado pela mulher ao falar dos seus cabelos. – Eu não gosto de empregadas com cabelos compridos, pode cair nos meus tapetes caríssimos, nos móveis e até na comida!
- M-m-mas...
- Não discuta comigo! Nunca, entendeu?
- S-sim senhora...
- Ou você dá um jeito de prender isso, ou então corte, mas desse jeito não pode ficar. Seu cabelo é grande demais! Onde já se viu uma empregada com um cabelo desse tamanho? E nada de maquiagem! Isso aqui não é nenhuma festa e quero te ver sempre de rosto limpo!

Sua vontade era de sair dali correndo. Agora ela sabia por que a dona da agencia faltou pouco lhe implorar para que aceitasse aquele emprego e até lhe deu uma carona até ali. Claro, ninguém mais devia querer trabalhar para aquela criatura esnobe e arrogante.

- Está dispensada. Cassandra lhe mostrará o que deve ser feito nessa casa e vou logo avisando que deve ser muitíssimo bem feito!

Após fazer que sim com a cabeça, com medo até de responder aquela mulher, Carmem foi seguindo Cassandra de volta para a cozinha.

- Que coisa, ela nem quis saber meu nome!
- Porque não interessa.

Na cozinha, uma mulher trabalhava picando alguns legumes. Ela tinha estatura mediana, levemente rechonchuda, pele negra e cabelos crespos muito bem presos e amarrados.

- O que temos aqui... a nova empregada, não é?
- Sou sim.
- E qual é o seu nome, garota? Você parece bem nova!
- Meu nome é Carmem.
- Ah, sei. Eu sou a Marlene. Cassandra, mostra onde ela vai dormir.

Cassandra fez a pior cara possível e saiu dali pisando duro.

- Anda, pode ir com ela. – Marlene falou voltando ao trabalho.

As duas foram até os quartos dos fundos. Eram três portas e Cassandra abriu uma delas.

- Seguinte, garota. Aqui só tem três quartos de empregada. O Rafa já usa um deles e a Marlene o outro. Esse aqui vai ficar para nós duas, o que eu acho uma droga!
- É tão pequeno...
- Nossa, você percebeu isso sozinha?

A mulher tirou um colchonete de baixo da cama e o atirou para cima da Carmem que quase caiu para trás com o impacto.

- Tá aqui sua cama.
- Eu vou dormir nisso aqui?
- Só tem uma cama nesse quarto e ela é minha, assim como a TV, o som e o armário. Eu vou te dar uma gaveta para guardar suas coisas.
- Só uma gaveta? Não vai caber quase nada!
- Não é problema meu! O armário está cheio com as minhas coisas e não vou espremer nada para te dar espaço!
- M-mas isso não é justo! Eu vou dormir no chão!
- Ué, se a princesinha não está satisfeita, a porta da rua é a serventia da casa! Agora vai ajudar Marlene na cozinha. No fim do dia eu te dou a lista com as tarefas que você vai fazer nessa casa.

Cassandra saiu dali, deixando Carmem desolada. Ela não sabia se chorava, gritava, saia correndo ou se matava de vez. As coisas iam ser muito mais difíceis do que ela esperava.

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