domingo, 19 de janeiro de 2014

Cinderela às avessas - capítulo 15: A vida de gata borralheira continua


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A vida de gata borralheira continua

Afonso checava a contabilidade com um ar bem preocupado. O dinheiro estava acabando rapidamente. Se os dois vivessem com mais discrição, os juros bancários seriam suficiente para lhes dar conforto por muitos anos. No entanto, eles não gostavam de viver modestamente. Gostavam de ter tudo do bom e do melhor, gastar sem reservas, usar as melhores roupas e freqüentar os lugares mais finos e elegantes da cidade. Economia era uma palavra que não fazia parte do seu vocabulário.

- Como estão as finanças, querido? – sua esposa perguntou ao ver que ele parecia preocupado.
- Nada boas. O dinheiro está acabando depressa.
- Ah, não! O que faremos?
- Temos que seguir o plano. Se tudo der certo, ganharemos milhões.
- Milhões! Adoro esse número!
- Até lá, teremos que espremer um pouco. Os empregados andam comendo muito, isso dá prejuízo! E também estão tomando banhos muito demorados gastando água e luz. E por que diabos eles tem televisão e som no quarto? Isso aqui não é SPA e nem hotel!
- Darei um jeito, querido. Mas não sei se isso vai resolver. Ah, droga! Por que temos que pagar salários? Já não damos casa e comida?
- Esses direitos trabalhistas me tiram do sério! Ainda bem que eu consegui driblar os impostos e a previdência social, senão estaríamos gastando rios de dinheiro inutilmente.
- Só que ainda temos o (argh) décimo terceiro!
- Infelizmente não há como escapar disso. Mas só para os outros três. A loirinha entrou aqui outro dia mesmo, não vai ganhar nada.

Após terminar de checar as contas e combinar com sua esposa as estratégias para economizar dinheiro, ele resolveu se concentrar em seu mais novo projeto.

- Todos os nossos amigos e pessoas importantes sabem da festa. Tenho certeza de que não faltará ninguém!
- Que ótimo! Estou providenciando fotos e filmagens da nossa “instituição”. Todo mundo vai acreditar, não é incrível?
- Querida, eu não sei o que faria sem você! Com essa, ninguém irá suspeitar de nós e nossa fortuna irá aumentar outra vez!

Ela foi até o pequeno bar do escritório e preparou dois copos de whisky com gelo para comemorar a fortuna iminente que ia melhorar ainda mais seu padrão de vida. Não tinha como dar errado.

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Cassandra olhava o tapete que Carmem tinha acabado de limpar. Era um belíssimo tapete persa, xodó de sua patroa que o comprou por 2600 reais. Seria um desastre se alguma coisa acontecesse com aquela relíquia. Ela tirou um pote de molho do bolso do uniforme, jogou no tapete e depois passou um pano como se tentasse limpá-lo. Depois de seco, aquilo podia não sair nunca mais.

Satisfeita com seu esquema ardiloso, ela foi andando pela casa procurando por coisas para estragar. Era preciso ser discreta para que ninguém desconfiasse.

- Ah, que droga! Tenho que passar a roupa!

Na lavanderia, ela se desanimou um pouco com a pilha enorme de roupas para passar. Por que ela tinha que ficar com aquela tarefa chata? Lavar até que podia ser, mas passar era terrível. Ah, claro. Carmem tinha sido contratada para aparecer mais, enquanto ela e Marlene tinham que ficar escondidas. Aquilo era um desaforo muito grande que ela não conseguia aceitar de jeito nenhum!

- Nossa, que saia mais linda! – ela falou admirando uma das peças da sua patroa e teve uma idéia. – Linda e cara também! Hahaha!

Sem pensar duas vezes, ela aqueceu o ferro mais ainda e passou sobre a saia com força queimando o tecido. Era um grande risco, mas ela sabia que a patroa não tinha conhecimento de como as tarefas eram divididas naquela casa. A culpa ia cair sobre Carmem com toda certeza.

- Ela vai ser mandada para o olho da rua, ah se vai!

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Em sua casa, Creuzodete lia o jornal do dia quando seus pensamentos se voltaram para Carmem. Como ela estava se saindo? O tempo tinha passado depressa e faltava uma semana para o natal. Parte dela sentiu pena daquela garota que ia passar o primeiro natal longe da sua família. Paciência, não havia nada que pudesse ser feito. Ela teria que amargar um tempo de solidão para, quem sabe, aprender a dar valor ao que tinha.

- Vou deixá-la mais um pouco e procurá-la depois do ano novo. Afinal, também tenho meus compromissos.

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Marlene estava em seu quarto lendo uma revista até dar a hora de fazer o jantar. Como estavam suas filhas? Ela sempre se preocupava se as meninas estavam indo bem na escola, ajudando sua avó dentro de casa ou indo para a cama na hora certa. Partia seu coração não poder participar da vida delas tão ativamente quanto gostaria. Era difícil demais ficar longe de casa seis dias por semana e só poder passar algumas horas com elas aos domingos.

Ah, se ela conseguisse um bom emprego em um restaurante como cozinheira! O salário poderia ser melhor e ela não teria que dormir no emprego. Só que ninguém lhe contratava. Sempre duvidavam do seu talento e capacidade.

“Depois dizem que não tem racismo no Brasil. Até parece!” ela pensou lembrando da última recusa quando o dono do restaurante pensou que ela estava ali pelo emprego de faxineira e ficou surpreso ao saber que ela tinha se formado numa escola de culinária. Geralmente era sempre assim e ela só queria poder ter uma chance, uma única chance de mostrar seu talento a quem soubesse apreciá-lo. Dessa forma, sua vida poderia mudar para melhor.

- Bem... não adianta lamentar. Hora de fazer a janta. Que vida...

Carmem já estava na cozinha morrendo de cansaço pelo serviço da casa e ela sentiu pena da moça. Aquele corpinho delicado não parecia feito para o trabalho pesado e ela desconfiava de que Cassandra tinha empurrado a maior parte do serviço nas costas dela. De vez em quando, Marlene ajudava no que podia lhe ensinando a fazer algumas tarefas, mas ela sabia que não podia ser vista circulando pela casa.

Seus patrões racistas e preconceituosos acreditavam que ela e Cassandra deviam ficar escondidas. Eram mesmo dois hipócritas de alma podre.

- Terminou seu serviço?
- Quase morri, mas terminei né?
- Não morre não porque você ainda tem que me ajudar e depois arrumar tudo.
- Ain!

Quando as duas foram começar o jantar, Cassandra e Rafael entraram na cozinha ao mesmo tempo.

- O que está acontecendo? – Marlene perguntou estranhando os dois aparecerem ali naquela hora.
- Dia de pagamento, não lembra? - Rafael respondeu e Carmem deu pulinhos de alegria.
- Ai, que bom! Tava esperando esse dia o mês inteirinho!
- Ela também quer falar algumas coisas com a gente. Aposto que deve ser por causa da princesinha aí!
- Minha causa por quê?
- Nem imagina, né fofa?
- Quieta vocês duas! querem nos meter em encrenca?

Elas ficaram em silêncio e pouco depois a Sra. Aguiar entrou na cozinha olhando todos com um ar superior, como se fosse uma rainha olhando os criados.

- Muito bem, hoje é dia de pagamento! Mas antes, tenho que falar algumas coisas que mudarão nessa casa.

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