sábado, 18 de janeiro de 2014

Cinderela às avessas - capítulo 14: E não tem como transformar a abóbora em carruagem

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E não tem como transformar a abóbora em carruagem

O resto da semana passou rapidamente para todos, exceto para Carmem. Cada dia naquele pesadelo era uma eternidade. Finalmente chegou o fim de semana. O casal Aguiar sempre viajava sábado de manhã e só chegavam no domingo, muito tarde. Já os empregados folgavam somente no domingo.

Foi com muito alívio que Carmem desceu do ônibus. Que coisa mais desagradável! Ela não sabia o que tinha sido mais humilhante: ter que andar naquela coisa, admitir ao Rafael que nunca tinha andado de ônibus ou ficar no ponto contando as moedas que ele tinha lhe dado para a passagem. Se bem que andar pendurada naquela coisa presa ao teto também não foi nada agradável.

As únicas vezes que ela subiu em um ônibus foi em excursões escolares, nunca em um transporte público. Afinal, ela podia contar com o chofer da família ou então pegar um taxi. A viagem foi demorada porque toda hora o motorista precisou parar para que passageiros subissem e descessem. Se estivesse de carro, teria levado menos tempo.

Chegando ao bairro, Carmem ainda teve medo de encontrar alguém conhecido porque sua aparência estava ruim, ela usava as mesmas roupas daquele dia e todos deviam pensar que ela era louca.

- Credo, você demorou! – Cascuda falou atendendo a porta.
- Eu vim de ônibus, tá?
- Veio de quê? – ela perguntou achando a maior graça.
- De ônibus! Pode rir agora! – Carmem falou entre dentes sob os risos da outra.
- Ai, essa vai entrar pra história. Tá, tá, não faz essa cara e entra logo. A Ramona vem falar depois do almoço. Vamos lá pro meu quarto.
- Falou com a Creuzodete?
- Tentei, só que não tem ninguém lá na barraca dela.
- Grrrr! É safada mesmo! Sumiu pra não falar com a gente! Ai, tomara que a Ramona consiga resolver isso, cansei dessa vida.
- Eeeei! A Ramona não prometeu nada, viu?
- Ela não é bruxa? Então tem que resolver isso de qualquer jeito! Se for o caso, posso pagar muito bem quando voltar a ser rica!

Cascuda resolveu não discutir por enquanto porque não queria que a cara emburrada de Carmem estragasse o almoço da família.

- Outro dia você falou que não tem nada, então arrumei umas coisas pra te ajudar a esperar até o dia do pagamento.
- Que coisas?

Ela olhou as sacolas e viu que numa delas tinha um pacote com quatro rolos de papel higiênico, dois sabonetes, um creme dental e uma escova de dentes. Até que ela estava mesmo precisando dessas coisas! Em outra sacola, para seu desgosto, tinha algumas roupas. Três blusas, uma calça e um short. Também havia um par de chinelos.

- São suas roupas?
- Sim. Ainda estão boas pra usar. Também tem uma camisola e um conjunto novo de calcinha e sutiã.

Carmem pegou uma blusa nas mãos e não segurou uma careta, pois já tinha criticado Cascuda várias vezes por causa daquela peça. Sério mesmo que ela teria de usar aquela coisa feia e cafona?

- Cruzes, você não tinha coisa melhor? Essas roupas são mixurucas demais!
- Tá achando ruim do quê, fofa? Não quer? Então fica pelada!
- Mas essas roupas são velhas!
- Velhas o seu nariz. Comprei não tem nem seis meses.
- Seis meses??? Você usa a mesma roupa por seis meses? Meu mundo caiu!!!
- Ó, pára de frescura que agora você não tá podendo, viu?
- Aí que você se engana! A Ramona vai consertar tudo e poderei voltar a mesma vida de sempre!

A mãe da Cascuda anunciou o almoço e ela resolveu deixar a discussão para depois. Não valia a pena esquentar a cabeça com aquela teimosa.

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“Fui eu que numa tarde
Se fez tarde de tristezas
Fui eu que consegui
Ficar e ir embora
E fui esquecida
Fui eu!”

Todos ouviam encantados enquanto Cassandra cantava aquela música que apesar de ser antiga, encantava por sua letra tão bonita.

“Eu quero sair
Eu quero falar
Eu quero ensinar
O vizinho a cantar
Nas Manhãs de Setembro
Nas Manhãs de Setembro
Nas Manhãs de Setembro
Nas Manhãs!”

Quando ela terminou, deu inicio a uma pequena salva de palmas por parte da família de Marlene.

- Menina, você canta bem demais! – ela elogiou muito satisfeita.
- Que voz linda! – a mãe de Marlene também falou, sendo apoiada pelo seu pai.
- Você tem mesmo um dom!
- Queria cantar assim! Aí eu ia ser muito famosa! – uma mocinha falou, deixando Cassandra vermelha de vergonha.

O almoço transcorreu alegre e todos se deliciaram com a comida maravilhosa que Marlene fazia. Seus pais comeram até não sobrar nada no prato, pois só podiam comer aquela maravilha quando Marlene ia para casa. Ninguém cozinhava como ela. 

Cassandra lavou a louça enquanto a colega passava um tempo com as duas filhas. A mais velha tinha quatorze anos enquanto a mais nova tinha onze. Seu marido tinha morrido em um acidente de trabalho, deixando-a sozinha com duas filhas para criar. Se não fosse a ajuda dos seus pais, ela estaria em sérias dificuldades.

Ela era excelente cozinheira e até fez vários cursos, mas sempre enfrentou muitas dificuldades. Era difícil arrumar emprego até em restaurantes mais simples. Por isso se viu forçada a trabalhar na casa dos Aguiar e assim poder receber o suficiente para dar uma vida decente as suas filhas. Ainda assim seu sonho era um dia se tornar uma grande chef de cozinha. Cozinhar sempre fora sua paixão.

Cassandra enxugava os pratos pensando no que Rafael estaria fazendo. ele tinha dito que pretendia levar um CD a uma gravadora. Será que ele ia ter sucesso daquela vez? Parte dela torcia para que sim, pois queria muito que ele realizasse seu sonho. Mas o seu lado egoísta tinha medo de ele conseguir um contrato e ir embora para sempre. Assim ela nunca mais poderia vê-lo.

Ela sempre foi muito apaixonada por ele, mas nunca teve coragem de se declarar. O que um homem como ele, que estudou faculdade e entendia tão bem de música, iria querer com uma mulher que terminou o ensino médio com muita dificuldade e não pode arrumar nada melhor na vida do que aquele trabalho de empregada doméstica? Ele podia conseguir alguém melhor.

Seu coração apertou. Caso ficasse famoso, ele acabaria cercado por muitas fãs e também por mulheres lindas para escolher a vontade. Ela não tinha a menor chance. Ainda mais depois da chegada de Carmem. Aquela garota bonitinha parecia se dar melhor com ele e de vez em quando os dois até conversavam. Que desaforo! Não tinha como competir com alguém mais nova e mais bonita. Por isso era seu prazer tornar a vida de Carmem um inferno naquela casa. Quem sabe assim ela não resolve ir embora?

Talvez, se tivesse mais tempo com ele, poderia até ter uma chance, por que não?

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Por volta das duas da tarde, quando Carmem já estava quase arrancando os cabelos, Ramona chegou a casa de Cascuda e as três foram direto para o quarto. As duas mal agüentavam de tanta curiosidade.

- Ué, você me reconhece também?
- Sim. Nós podemos ver fora do tempo e espaço, por isso não te esqueci. Como era a estrela que você viu?
- Era bem bonita, maior e mais brilhante do que as outras! Eu não conseguia tirar os olhos dela!
- Ela te prendia de um jeito inexplicável?
- Isso mesmo!
- E você acabou fazendo o pedido.
- Se soubesse, teria pedido qualquer outra coisa!
- Essa estrela nos faz pedir o que está em nosso coração. Mesmo que tivesse tentado, não teria conseguido pedir outra coisa.
- Que droga! E agora, como a gente desfaz isso?

A jovem bruxa balançou a cabeça.

- Não desfaz. A magia dessa estrela é uma das mais poderosas que existem. Nem um exército de bruxas conseguiria desfazê-la!
- E você veio só pra dizer isso? Que droga, não adiantou de nada o trabalho que tive pra vir até aqui! Acredita que eu fui obrigada a andar de ônibus? Que desaforo!
- Carmem, comporte-se! A Ramona não é obrigada a resolver seus problemas!
- Hunf! – a outra cruzou os braços e fez aquela cara de criança mimada quando não consegue o que quer.

Ramona não se importou. Depois de conviver com sua mãe durante anos, ela estava acostumada a lidar com pessoas difíceis.

- Bem... eu não posso resolver isso com magia, mas se você conseguir encontrar a estrela de novo, poderá desfazer o pedido.

Num instante, o emburramento foi embora e o rosto de Carmem se iluminou.

- Que boa idéia! Por que não pensei nisso antes?
- Nem imagino! – Cascuda falou virando os olhos.
- Já sei o que fazer! Toda noite vou ficar de olho e quando a estrela aparecer, desfaço esse pedido. Problema resolvido!
- Não é tão fácil. Essa estrela não aparece toda hora, ainda mais para a mesma pessoa.

Seu rosto anuviou outra vez.

- Então vai demorar muito?
- Não há como prever. Pode levar um dia, uma semana, um mês ou vários anos. Talvez não apareça nunca mais.

Cascuda precisou tapar a boca da Carmem para evitar que seu berreiro ecoasse por toda a casa.

- Então eu vou ficar pobre pro resto da vida? Ai que dor! Me mata de uma vez que não quero mais viver!
- Calma, também não é pra tanto. Você ainda tá viva, tem saúde e pode trabalhar.
- Trabalhar? Eu? Vê lá se eu tenho cara de quem gosta de trabalhar? É coisa de pobre!
- E você é o quê, meu bem? – Cascuda perguntou com sarcasmo. – A rainha da Inglaterra?
- Mas eu odeio trabalhar naquela casa! Dá pra acreditar que eles colocam cadeado na geladeira pra ninguém comer nada? Um absurdo!

Ramona ficou com pena da outra, mas entendia muito bem que ela precisava passar por aquela experiência. Nada acontecia por acaso. Cascuda lembrou-se de algo e resolveu perguntar.

- Você lembrar da Carmem até faz sentido, mas por que EU estou lembrando dela?
- É difícil explicar. Muitas vezes, a estrela não dá somente o que a pessoa deseja e sim o que ela precisa. Então ela permitiu que você lembrasse de tudo por alguma razão. Talvez para ajudar a Carmem.
- Blé, tá fazendo um péssimo trabalho!
- Grrr! Sua mal agradecida!
- Se querem um conselho, vocês precisam se entender.
- Nós? Como assim? – elas perguntaram ao mesmo tempo e Ramona explicou.
- Carmem, a Cascuda é a única pessoa da turma que se lembra de você. Agora você só tem ela de amiga pra te ajudar!
- Estou frita!
- E Cascuda, tenta ter um pouco de paciência com ela. Cada pessoa tem sua limitação e não podemos cobrar delas mais do que podem dar. Talvez assim essa situação fique mais suportável, porque eu realmente não sei como desfazer isso.
- Mas pode aparecer outra estrela e...
- Como falei antes, pode levar a vida toda. Melhor é você aprender a viver sua nova vida desde já. Não há outra alternativa.
- Ai, eu vou morrer! – Carmem choramingou e Cascuda não ficou atrás.
- Então somos duas, porque agora vou ter que te agüentar!

Como não tinha mais nada para fazer, Ramona foi embora porque tinha que se encontrar com Nimbus. O que tinha dado nele para lhe convidar para sair tão de repente? Ela não importava.

Mais tarde, Rafael chegou aborrecido porque o dono da gravadora lhe deixou esperando por horas a fio só para dizer que não estava aceitando novos talentos por enquanto. Outra negativa.

Por volta das seis da tarde, eles tiveram que ir embora já que ele precisava buscar Marlene e Cassandra. Depois, era preciso buscar os patrões e eles não gostavam de esperar.

Carmem levou três sacolas contendo coisas que Cascuda tinha lhe dado tentando esconder a raiva por ter que aceitar caridade de alguém que ela via como ralé. Era bem provável que aquela cafona estivesse rindo por dentro, adorando vê-la por baixo.

Ainda assim ela procurou engolir a raiva já que precisava mesmo de ajuda. Apesar de odiar com todas as forças ter que usar aquelas roupas bregas, ela não via outra solução. Quando recebesse seu salário, ia comprar coisas melhores e mais bonitas.

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Em frente a casa da Marlene, Cassandra esperava pela carona de Rafael enquanto a colega se despedia dos pais e das filhas. Um grande sorriso se abriu quando a BMW estacionou em frente a casa, mas logo se desfez ao ver Carmem dentro do carro.

- Er... o que ela está fazendo aí? – perguntou mostrando visível desagrado.
- Ela passou o dia na casa da minha prima.

Claro que aquela explicação não lhe convenceu nem um pouco. Como assim Carmem era amiga da prima dele? Era coincidência demais para ser verdade! Durante a viagem, ele contou que não conseguiu nada com a gravadora, o que só fez com que suas suspeitas aumentassem ainda mais.

Será mesmo que ele passou o dia na gravadora ou em outro lugar? Ela foi no banco da frente ao lado dele e pode ver pelo retrovisor que o visual da Carmem tinha melhorado um pouco. Será que ele pagou salão de beleza para ela? Por que teria feito isso? A troco de quê? As coisas pioraram quando eles chegaram a mansão e Rafael tirou algumas sacolas do porta-malas e entregou a Carmem. Então ele comprou coisas para ela?

Carmem foi para o quarto e colocou suas coisas num canto para trocar de roupa e vestir a camisola que Cascuda tinha lhe dado. Até que era bem confortável.

- Vejo que ganhou umas coisinhas. Roupa nova, não é? – Cassandra falou parada na porta com os braços cruzados e cara de que queria matar alguém.

Orgulhosa como era, Carmem jamais iria admitir que precisou de caridade.

- Pois é, fofa.
- Você comprou isso com o quê?
- Tenho meus próprios meios.
- Ah, sei. – a outra falou já sabendo muito bem quais meios eram esses. Sua vontade era partir para cima daquela garota e arrancar seus cabelos, mas o plano de vingança lhe pareceu melhor opção. Por que brigar ostensivamente se podia fazer tudo na surdina sem levantar nenhuma suspeita? – Tá bom, divirta-se com suas... coisinhas.

As duas foram dormir e Carmem nem imaginava o que Cassandra tramava em sua cabeça.

3 comentários:

  1. Eita, será que ela vai destruir as roupas? :O

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  2. Nossa! Essa Cassandra é perigosa... O que ela está tramando, afinal? No começo, achei o ciúme bobo, mas, até que no meio da história senti pena... Mas, como ninguém é só bom ou ruim :P...

    Será que ela vai tramar para demitir a Carmem? Difamar a colega seria a solução? Seria possível a Cassandra descobrir tudo e acrescentar as mais terríveis estratégias em seu plano? Ou até mesmo tudo isso e ainda mais? Estou ansioso...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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